quinta-feira, 13 de agosto de 2009

era só um sonho

ele e ela. conheceram-se e havia todo um universo de vidas e histórias e projectos entre eles. a separá-los.
mas olhavam-se nos olhos e encontravam-se sempre ali, nos olhos um do outro.
então uma mão que toca, uns dedos que se entrelaçam, um colo que recebe uma cabeça. sentiam que sorriam e riam mas os lábios não se mexiam. eram apenas os olhos que se encontravam muitas vezes.

os lábios nunca.

então um dia, naquela casa em forma de roulotte onde parava o mundo inteiro em festa, entrou uma mulher. estonteante. familiar, como se aquele e ele fossem um território dela. ele não olhou para ela, focou-se na mulher estonteante que entrou naquela casa em forma de roulotte como se aquele e ele fossem território dela. então ela levantou-se do sofá onde os olhos se encontravam e saiu para a rua.

vagueou.

passou por festas e bancas na rua mas levava as mãos encerradas nos bolsos e os olhos presos no chão.

vagueou até que voltou à casa em forma de roulotte e encontrou ele com os olhos ainda postos naquela mulher estonteante que entrou ali como se aquilo e ele fossem território dela. e deviam ser porque ele não desviava o olhar. então ela suspirou toda a sua tristeza para fora de si e voltou à rua onde encontrou um miúdo que lhe sorriu. e ela deixou o seu vazio escapar-se no sorriso e esse vazio moldou o seu caminho. deu uma volta à casa em forma de roulotte e entrou lá dentro de novo. queria que ele olhasse para ela. porque ela não queria desaparecer assim.

mas ele não estava lá. nem a mulher estonteante que entrou naquela casa em forma de roulotte como se aquele e ele fossem território dela. nem festa. só umas pessoas e um balcão vazio.

enquanto ela desistia, se conformava e preparava para sair, ele chamou-a. ele ali, diferente. sem a barba e o cabelo comprido que antes passeava. ele ali de cabelo curto e cara lisa a sorrir-lhe, a dizer o seu nome. então de novo os olhos nos olhos e os lábios dele que se moviam e diziam, a sorrir, palavras que ela via em imagens nítidas. "e ela disse-me que se estavamos juntos era porque nos davamos bem. e se nos davamos bem tinhamos de permanecer juntos,não era? e eu disse que sim, que era."

um soluço bateu nos dentes cerrados dela. tensa bateu-lhe no braço e sibilou "que bom! fico muito contente por ti. muito contente mesmo!". e até ia acrescentar "adoraria dizer que espero que sejas muito feliz mas não consigo. não espero que sejas muito feliz", mas ele continuou a mover os lábios que sorriam enquanto diziam por palavras aquilo que ela via em imagens nítidas "porque é isso mesmo. nós temos de ficar ao lado da pessoa com quem nos damos bem e que nos faz sentir bem. e há alguém no mundo que me faz sentir bem, não há [...]?"

e enquanto ela abria muitos os olhos e lhe perguntava se "isso quer dizer que..." eles aproximaram-se um do outro e ele, sem deixar de sorrir e com os olhos nos olhos dela, puxou-a para si e abraçou-a. então, pela primeira vez, os lábios dele e dela encontraram-se num beijo. "é contigo que eu quero estar", assegurou ele.

num repente ela sentou-se na cama, atropelada por uma onda de calor e frémito que se espalhava pelo corpo e lhe apertava o coração e a garganta, e sentiu-se acordar. cheia de saudades dele.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

suspiro

ainda não me reencontrei neste registo

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

lábios

olhou-se ao espelho outra vez. eram altos, os sapatos vermelhos. deu dois passos. levantou uma perna. olhou-se de frente.

brilhantes.

como é que ficaria só com eles calçados? só com eles. levantou as calças para admirar a curva da perna e sorriu. ficava gira.
lembras-te de andar sempre com os olhos à procura da mensagem? de sorrires no nada, do nada? lembras-te de achar que era possível? que era a única possibilidade?

bolsos

brinca com os dedos de forma nervosa. quer dizer-lhe. fazê-lo sentir. escolhe na cabeça as palavras, o tom, a cadência do discurso. tudo lhe passa tão fluido em imagens... mas aquele aperto no coração, no estômago impedem a verbalização.

respira fundo.

passou tanto tempo

terça-feira, 26 de junho de 2007

reticências

levou as mãos aos bolsos das calças. depois aos o casaco. voltou a procurar na mala. e novamente nos bolsos. sabia que tinha escrito algures a morada dele. ainda por cima as portas eram todas azuis, as janelas todas com cortinados brancos. um gato em cada uma. amores-perfeitos! havia qualquer coisa sobre amores-perfeitos na soleira! mas não sabia a cor... e todas tinham amores-perfeitos na soleira.

sentou-se nos degraus da casa à sua frente e, com os cotovelos nos joelhos, apoiou a cabeça nas mãos. sabia que o tinha escrito num guardanapo e lembrava-se distintamente de o ter guardado no bolso das calças.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

no metro

Desceu as escadas a correr evitando as poucas pessoas que as subiam. Tinha de apanhar aquele para conseguir chegar a horas. Ou não muito atrasada. Atirou-se para dentro da carruagem empurrando quem já se amontoava à entrada. Protestos em uníssono com o apitar das portas.

Estava vermelha mas não do esforço. Era vergonha. Detestava que lhe fizessem aquilo e via-se obrigada a fazê-lo. Sempre. Soprou discretamente para dentro do decote e apertou mais a mala contra si. Ser roubada no metro era um dos seus receios diários.

Ao seu lado estava um jovem casal. Ele magro, alto e sorridente; ela pendurada nuns saltos altos, num fato com um corte fantástico e com uma cor saudável na pele. Não sabia se eram mesmo um casal mas, se não o eram, pouco faltaria. Demasiado próximos, demasiado sorridentes, demasiado concentrados um no outro. Tentou imaginar o prazer que ela deveria estar a sentir por ser assim cortejada (fosse ou não o par dela). Desviou o olhar invejoso e a recordação da mãe a dizer que sozinha aos 34 era uma vergonha.

De resto, tão morena em pleno Abril é porque anda num solário.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

início

Estava parada à entrada do quarto, agarrada ao seu urso. Lá dentro a luz de fim de tarde, coada pelos pesados cortinados, enchia de sombras cada espaço livre. Adivinhava o cheiro a rosas e lavanda que tanta impressão lhe fazia. Balançou o corpo sem sair do mesmo sítio para fazer a madeira ranger. Na poltrona moveu-se um vulto e ela conseguiu ver dois olhos brilhantes a espreitarem-na:
- Conseguiste vê-los? - perguntou a voz rouca e cansada
Fez que não com a cabeça e colou os olhos ao chão. Com um suspiro o vulto voltou a esconder-se na sombra da poltrona.
- Um dia vais ver. Eu sei que sim. Eu sei que sim.
Madalena apertou mais o urso contra si e foi a correr até às escadas. Conseguia ouvir as vozes dos irmãos que se aproximavam da porta da rua. Gostava de os ver chegar da escola, atirar as mochilas e os casacos para um canto, meterem-se uns com os outros. Faltavam seis meses (seis meses!) para ir para a escola, para partilhar com eles o regresso a casa. Então já não seria a bebé. Nem da mãe, nem do pai e, muito menos, dos irmãos.
Esperou até ouvir a voz da mãe saudá-los, ralhar-lhes, suspirar e desceu finalmente as escadas.